Por Arq. Luís Otávio Forster e Arq. Iberê M. Campos
A negociação entre o arquiteto e seu possível cliente pode ser confusa quando ambos não têm a perfeita noção do que estão fazendo. Propostas desprovidas de conteúdo e clientes que não sabem a importância do projeto são o ponto de partida para obras mal feitas e que provavelmente não atenderão às necessidades de seu proprietário.
Recentemente participei de algumas concorrências para elaboração de projeto de arquitetura para pessoas físicas e fiquei impressionado com duas coisas:
• A falta de conteúdo das propostas, e
• A falta de preparo de quem as recebia.
A pessoa, não tendo experiência no ramo, volta todas as suas atenções para o quesito “preço”. Não presta muita atenção ao conteúdo da proposta, que representa exatamente o produto que está comprando e que, nestes casos, seria exatamente a casa onde o contratante e toda sua família iriam morar pelos próximos anos, ou seja, algo de suma importância.
Reparei que quando clientes inexperientes pedem orçamento para elaboração de um projeto imagina apenas a planta e fachada, sem conhecimento algum do real conteúdo da importância do trabalho de criação e de planejamento da obra. Esse erro traz como resultado obras financeiramente desastrosas e muitos imprevistos técnicos durante sua realização, ou seja, a construção ficará mais cara e com menor qualidade.
Preço versus conteúdo
Não há como separar o preço do conteúdo de um trabalho. Embora seja óbvio, ninguém se dá conta de que serviço bem feito custa mais caro, e acabam por fazer uma comparação simples de preços sem entrar no mérito do escopo. O contratante do serviço de projeto faz cotação de preços como se estivesse ao telefone adquirindo uma geladeira, algo como ligar para uma loja de eletrodomésticos e perguntar algo como:
-- “Por favor, por quanto vocês me fazem aí o projeto de uma casa de 200 m²? Quanto???? Ah, não, a outra loja me fez bem mais barato...”
Esta confusão entre a aquisição de um bem de consumo e um trabalho que envolve criatividade aliado a conhecimento técnico vem, acho, da confusão entre escopo e preço.
Escopo é o objetivo do trabalho, seu conteúdo, seu propósito.
Preço é o valor a ser pago para realização e recebimento desse conteúdo.
Uma proposta bem feita é aquela que permite, ao lançador da concorrência, poder comparar preço, conteúdo e condições, sem margens para dúvidas e itens mal entendidos. Não pode haver entrelinhas sub-entendidas.
Para se elaborar um orçamento de projeto, há necessidade de se conhecer o trabalho, logo é um absurdo quem cobra ou pergunta quanto vale o m² de projeto.
No entanto, não é raro ouvir pessoas solicitando um “projetinho” só da “plantinha” e do “jeitão” da fachada. Um pedido deste tipo, por si só, já demonstra total inexperiência do cliente sobre o significado do planejamento.
Este cliente necessita de orientação preliminar, mas há quem se aproveita e vende o tal “projetinho”. Se o contratado tiver um mínimo de experiência e não for negligente, saberá que está colocando seu cliente numa enorme cilada.
Sabendo-se da inexperiência das pessoas, a proposta pode e deve ser orientativa, aproveitando para deixar claro para o contratante que não adianta conseguir um “projetinho” e colocá-lo na mão de um pedreiro que não saberá interpretá-lo e complementá-lo com tudo o que uma obra atual e útil precisa.
Além disto, toda obra necessita de um responsável técnico habilitado e capacitado para ler e interpretar o projeto, orientando e conduzindo a mão de obra como um maestro.
Devemos deixar bem claro que projeto e construção são atribuições de engenheiros e arquitetos. Eu, como Arquiteto, posso afirmar que é a nossa classe quem deve deixar isso claro para o mercado. É nosso dever orientar e educar clientes e operários da construção civil sobre as vantagens de se trabalhar sob o comando de um responsável técnico devidamente capacitado.
Itens de uma proposta de projeto
Uma proposta simples, básica e fundamentada precisa assumir compromissos claros e objetivos. Se quem a elabora tem conhecimento da solicitação do contratante e do trabalho, não precisa ter receio de redigir compromissos e obrigações. Este receio é diretamente proporcional à falta de conhecimento ou da capacidade de atender a uma determinada solicitação.
Vamos portanto conversar claro e abertamente com o cliente para, munido de informações, elaborar uma proposta coerente, sem devaneios. Uma proposta bem feita deve ser bem claro, para tanto tem alguns itens obrigatórios:
Item preliminar - Cabeçalho da proposta
Toda proposta deve ter um número de referência para arquivo e uma data. Toda proposta deve ser dirigida a alguém: nome, endereço, telefone, e-mail e qualquer outra informação relevante sobre esta pessoa.
Itens da proposta
1 -- Escopo do serviço -- Descreva o conteúdo geral da proposta, através de uma apresentação geral dos assuntos relacionados ao serviço, sua área, localização, características básicas da edificação.
2 -- Metodologia de trabalho -- Apresente sua metodologia, detalhando o conteúdo de cada etapa e sua utilização prática, elucidando o contratante sobre os cuidados nas averiguações para realização de um trabalho fundamentado. É interessante, apesar do leigo não ter claro seu significado, apresentar o nome e a escala das pranchas de desenho que lhe serão entregues, para que ele tenha um parâmetro de verificação quanto ao material que receberá. É tão importante quanto as peças gráficas incluir nos projetos o memorial descritivo e as planilhas de quantidades para que o contratante tenha um pacote de documentos que possibilite a realização de tomadas de preço, devidamente alinhada entre os candidatos à execução. Se o projeto é a peça fundamental do planejamento, não é correto deixar para o executor levantar os serviços do projeto idealizado, mesmo porque isso gera concorrência de preço totalmente desalinhada e com critérios diferenciados, deixando seu cliente à deriva em sua base de avaliação.
3 -- Apresentação dos trabalhos -- Esclareça como serão apresentados os trabalhos em suas fases intermediárias e como será entregue o trabalho final. (impressos ou arquivo eletrônico aberto ou fechado, etc.)
4 -- Prazo de entrega -- Estabeleça prazos para a realização de cada etapa através de tempo corrido e não datas. Se necessário, estabeleça ressalvas para eventuais necessidades de prorrogação de prazo, tais como o tempo em que o contratante pode necessitar para avaliar o projeto e a quantidade de alterações decorrentes de uma análise.
5 -- Preço e condições de trabalho -- Estabeleça o preço total, forma de pagamento, vínculo de pagamento associado às etapas, e salvaguardas em caso de retrabalhos de etapas já superadas, desde que gerados por solicitação do cliente.
6 -- Prazo de validade -- Defina por quanto tempo, antes do fechamento da contratação, as condições e os valores da proposta serão válidas.
7 -- Despesas reembolsáveis -- Esclareça aqui itens que não estão inclusos no seu trabalho dirimindo desde já eventuais cobranças que possam gerar desgastes tais como:
• Plotagens e cópias xerox;
• Serviços de correspondência expressa;
• Taxas e emolumentos cobrados por órgãos públicos;
• Outros projetos e levantamentos
• Eventuais despesas com transporte, hospedagem e alimentação, que ocorrem quando a obra é em local afastado.
8 -- Responsabilidade Técnica -- Apresente as responsabilidades que serão assumidas por você com a contratação dos serviços:
• Autoria de projeto frente à Prefeitura local
• Responsabilidade técnica pela obra frente à Prefeitura local, e suas condições para tal compromisso;
• Recolhimento da taxa referente à ART (anotação de responsabilidade técnica - CREA);
• Comprometimentos outros
9 -- Elementos preliminares -- Defina quais as condições mínimas para que os trabalhos sejam iniciados tais como:
• Assinatura da proposta/contrato;
• Pagamento da parcela referente à ordem de início dos trabalhos;
• Emissão da ART
• Apresentação do Programa de Necessidades ou entrevista com o contratante
10 -- Disposições finais -- Apresente em quais condições de trabalho seus custos não estão contemplados na proposta, e que poderão gerar cobranças. Estabeleça desde já o valor destas condições através do seu custo hora técnica.
11 -- Aprovação da proposta -- Deverão constar todos os dados do contratante e do contratado, especificando nome, função, documentos de identificação, dados para emissão de nota fiscal de serviço, e texto onde o contratante atesta a contratação e aceite das condições descritas na proposta.
Em suma...
Parece que alguns arquitetos e engenheiros têm medo de explicar claramente para seu cliente o que precisa ser feito e o porquê, talvez com receio de oferecer uma proposta de valor mais alto e perder o contrato.
Existem até profissionais que, apesar de totalmente aptos a desenvolver um projeto decente para seus clientes, concordam em fazer uma “plantinha” ou “projetinho de prefeitura” para quem os procura.
A desculpe é algo como “Ora, se eu não fizer, alguém vai fazê-lo... então é melhor eu mesmo fazer e ganhar uns troquinhos por aqui mesmo.”
Esta é uma desculpa esfarradada, que avilta o mercado de trabalho do engenheiro e arquiteto e prejudica o próprio cliente que, ao invés de ser corretamente orientado em como fazer uma boa obra, investe em muitos casos a poupança de toda uma vida em cima de um pedaço de papel com um esboço de planta, feito em poucos minutos, sem o menor compromisso com o que resultará daqueles rabiscos.
Assim, acho que é dever de todo cidadão, não só dos arquitetos e engenheiros, lutar pelo direito que todos temos de habitar prédios confortáveis, seguros e funcionais. Para isto, basta ter os profissionais certos no lugar certo. Todos lucram com isto. Vamos lá, pessoal, precisamos acabar com esta lenda de que a contratação de engenheiros e arquitetos torna a obra mais cara!!!
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